"Uma ligação com a humanidade"
Hoje vi num blog amigo uma referência ao 11 de Março, e não pude deixar de comentar. Não sei bem como dizer isto, mas parece que quanto mais coisas inventam para fazer chegar o mundo a nossa casa, mais longe estamos dele. Estranho não é ver explosões e guerras e tsunamis e ataques terroristas. Nada disso causa já estranheza. Até mudamos de canal, não porque nos faça impressão, mas porque se está "farto" de ver sempre a mesma coisa. Como se fosse algo banal, ou como se apenas alguma imagem nova, ainda mais terrível e ainda mais espectacular fosse motivo para continuar a assistir . Estranho, mas mesmo estranho, é ter de repente a sensação de que tudo isso pode saltar do ecrã para fora, é real e está aqui à nossa porta. Foi o que aconteceu com Espanha . Claro , também aconteceu no 11 de setembro, pela magnitude do acontecimento , mas devo confessar que a sensação de proximidade não é a mesma.
No 11 de setembro eu estava a comer na cozinha com o meu irmão. Fizemos umas massas de pacote, lembro-me que misturámos duas variedades, "parmesana" e "carbonara" e ficou mesmo al dente . Lembro-me de ver o segundo avião a ir contra a outra torre e dizer "ihhh, olha prá'quilo ! Ena, este esparguete está uma delícia, olha passa-me aí o Bongo" e de repente ter vergonha de ter reagido com essa naturalidade, mas terá sido a mesma "naturalidade" de milhões de pessoas, excepto talvez nos Estados Unidos. Aquilo passou-se no Ocidente, mas não se passou cá . Aquelas pessoas não são nós . Não são ???
É simples : quando se vê o avião a embater na torre, não são, a explosão é igual às que vemos num filme qualquer, um filme americano, entenda-se; mas quando se vê em directo dezenas de corpos que de um salto voluntário e desesperado se quebram no chão depois de cair umas centenas de metros, então aí passam a ser , porque isso não vimos nós nos filmes. E dizia DIRECTO no topo do ecrã . Ou, nas transmissões anglófonas, ironicamente, LIVE . Que será que vai na cabeça de uma pessoa durante a queda ? Será verdade que se morre antes de os ossos se partirem contra o chão ? Ou será que isso é uma mentira que inventámos para não nos "com-padecermos" com esse que leva uns bons metros a morrer ? Isto é, para não termos o arrepio incómodo de imaginar o fim, o sofrimento ? Tal como a mentira de que se é do outro lado do oceano não é connosco ? Então e se não for, se for mesmo no país vizinho ? Então e se de repente os árabes fundamentalistas, os tsunamis, o exército americano, a fome, as doenças e tantos horrores que estão tão longe invadissem a nossa cozinha ? Seremos igualmente frios quando um dia houver TV's a 3D ? Seremos mais indiferentes ainda ? Ou antes nos vamos sensibilizar ? Ou ainda, será que vai parecer finalmente tão real que viveremos com (ainda mais) medo da própria sombra ?
Os sintomas estão aí, fechamo-nos em casa e despejamos tudo na net, em mails, em blogs , em páginas pessoais, em chats . Sai-se menos, teme-se mais. Felizmente nem tudo nos desliga por completo do resto do mundo. Às vezes um texto sem rosto quase ganha um, às vezes se nos deixarmos tocar pelo que vemos na TV de repente apercebemo-nos de que temos sorte, mas que pode não durar, e por isso há que dar importância ao que realmente importa na vida. Curta já ela é , e cada vez mais, nestes tempos em que o tempo come os próprios filhos com escola, com trabalho, com horários, rotinas, deveres, tarefas , obrigações, compromissos . Quando afinal o maior compromisso de todos , que é viver, às vezes acaba num pestanejar . Essa é que é a ligação que devemos ter com a humanidade, é cumprir a nossa parte de sermos humanos e não nos alhearmos do que pode acontecer, e do que estamos ou não prontos a admitir que possa acontecer nas nossas vidas. É bom que possamos, alguns de nós pelo menos, virar do avesso o paradoxo da tecnologia e deixar que seja uma via de aproximação, e não de alheamento, em relação ao mundo. Porque o mundo não é "lá fora". É aqui mesmo .
"Amor macio" nunca tinha visto, hehe. Tem direitos de autor?