quarta-feira, junho 15, 2005

E depois de um momento de spleen ...

Não sei porque me lembrei disto agora, mas é uma daquelas memórias que se escondem lá bem no fundo, e não a queria perder outra vez durante tanto tempo. Na verdade este episódio está tão diluído na minha cabeça que já não sei se aconteceu o se o terei sonhado há muitos anos, num desses sonhos que intrigam e de vez em quando vêm à ideia sem razão aparente .
Bem mais pequenina , ia eu na rua de passeio pela mão do meu avô . Mas em que rua ? Perto de casa dos avós, certamente . Já não me lembro. Entrámos num café que não era o do costume . Não era muito grande, as paredes eram brancas , as mesas pequenas e quadradas . Não havia cadeiras, só uns bancos com coxins de napa amarela . Pouco iluminado . «Que bolo queres amiga ? Vai guardar aquela mesa, que já lá vou ter ». E eu fui . O caminho de dez ou quinze passos pequeninos até à mesa foi interceptado por uma figura sentada num desses bancos forrados a amarelão , que me puxou pelo braço.
Era um homem enorme aos meus olhos, gordo, não muito velho,mas com a pele mal tratada do álcool, ou da vida, ou de alguma doença do coração . Um frade, pois trazia vestido um hábito castanho, talvez de franciscano, e tinha pouco cabelo, mas não porque tivesse tonsura, era mesmo careca . O homem agarrou-me pelo braço e desatou a falar uma língua que eu não conhecia, olhos nos meus olhos, como se esperasse uma resposta. Abanou-me com uma interjeição de expectativa, e depois esforçou-se por resgatar a minha perplexidade com alguma coisa que eu compreendesse. Com as suas mãos gigantes, subiu as mangas da minha blusa sem autorização, pegou nos meus braços, voltou-os para cima, e correndo um dedo ao longo de cada um disse numa mistura desajeitada de espanhol e italiano : «Questo es miele, e questo es zucchero . Miele (um braço) .. e zucchero (outro braço)... non olvidare niña » . Não sei quanto tempo ficámos neste impasse do mel e do açucar e de não esquecer nunca. O meu avô regressou entretanto do balcão com um café e um bolo de arroz e fui sentar-me com ele a lanchar. Ou talvez tenha acordado ...

1 Comments:

Blogger tarsofagundes said...

O subconsciente prega peças em nós. Porém, cuidado, elas podem ser mais reais do que meramente cremos. Já analisei lembranças muitas vezes, infelizmente, não renderam em nada.

junho 16, 2005 3:13 da tarde  

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