segunda-feira, junho 20, 2005

A conquista da ... de quê ?

Recebi de uma amiga o seguinte mail, do qual fiz "copy-paste" sem mais acrescentos. Nunca li Montaigne mas ...



O autor deste texto é João Pereira Coutinho, jornalista. Vale a pena ler !

"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição. Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho. Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima. Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"

3 Comments:

Blogger Tiago Mendes said...

Muito bom texto, mesmo! O JPC é muito bom, recomendo vivamente as suas crónicas moradazes no Expresso. Ainda que nem sempre concorde com ele (nem ele quer que alguém concorde sempre com ele!) escreve muito bem e a fina ironia e provovcação são um must.

junho 21, 2005 4:49 da manhã  
Blogger Luis said...

Também nunca li Montaigne, mas parece-me inegável que a humanidade tem apostado no "cavalo errado".
Não sei se concordo com uma visão tão pessimista.
Todos sabemos que há uma clara tendência para mostrar que se tem, parecer melhor do que se é, pondo de outra forma - preferimos parecer a ser.
O ambiente excessivamente competitivo em que vivemos, em que os ideiais de vida são sobretudo económicos e na minha opinão derivam fortemente da cultura do sonho americano, que não sei se é o melhor ou sequer adequado, cria uma pressão quase insuportável.
Os objectivos de cada um devem ser traçados pelo próprio e, pelo menos para mim, devem ir de encontro ao que tras felicidade...

junho 21, 2005 7:15 da manhã  
Blogger tarsofagundes said...

Desde o momento em que tentamos, de certa forma, classificar a maneira como vivemos, como encaramos a realidade, estamos pressupondo que está tudo muito errado (mas, nem sempre). Porém, compreendo-vos quando citam Montaigne, pois fazem lembrar-me de um de seus ensaios: "A glória a que aspiro é a de ter vivido tranqüilo [...] em sendo a filosofia incapaz de mostrar o caminho que conduz ao repouso da alma que a todos convém, que cada qual por seu lado o procure." Vivamos cada um sua realidade Mas acho ótimo essas discussões sobre o porquê de "tudo isso" que vivemos.

junho 21, 2005 8:46 da tarde  

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