Sem rede
As cidades estão cheias de loucos. Alguém já fez uma canção sobre os loucos de Lisboa, alguém já reparou, mas ainda não se ouviu ninguém que pudesse fazer alguma coisa falar nisso. Na capital, quem anda no Metro vê tudo o que muitas vezes passa despercebido à superfície. Quanto tempo levaremos até atingirmos a insanidade mental pública de outras cidades europeias? Em Dublin à saída de um banco gritaram-me impropérios sem nunca me terem visto, e logo a seguir reformularam a gritaria e de repente era um poema de amor em francês. Um amor furioso e alcoolizado. Eu fui só o vulto que estava na linha de visão do declamador .
Mas aqui eu vejo-os muito no Metro. E realmente há qualquer coisa de "subterrâneo" no ser louco, meio-louco, ou apenas sozinho . Era um homem jovem, 20 e tais, ar de estudante, de atleta esclarecido . O comboio parou e da janela vi-o a falar com alguém...que não estava ali. Mas não estaria a falar para um auricular de telemóvel, porque ali tão debaixo do chão não há rede. As portas abriram-se e ele entrou com um ar tão disperso como o de qualquer outro passageiro. Estava sozinho. De repente abriu a boca e disse a meia-voz "estúpidos!estúpidos! Não quero ir, não quero ." E lá foi dizendo de sua justiça, com intervalos de silêncio de poucos segundos . Não estava sujo, não tinha roupas estranhas, não tinha um ar alucinado, não tinha os cabelos em desalinho, nada no aspecto físico denunciaria uma inadaptação social. Uma pessoa como outra qualquer, com um aspecto absolutamente integrado e saudável . Como eu, como tu. Sozinho .